Wednesday, July 18, 2007

Imagens, turismo e autenticidade (parte 1 de 3)

Os estudos antropológicos sobre o turismo nascem sobretudo do interesse pelo contacto entre turista e “nativo” e respectivas mudanças culturais fruto desse mesmo contacto (Smith, 1992). Tal interesse explica que, em certa medida, a maior parte dos trabalhos sobre o fenómeno turístico, incida sobre as repercussões culturais nos países visitados, facto a que a literatura antropológica tem denominado como sendo a análise dos impactos do turismo sobre as populações locais (Smith, 1999; Cardeira da Silva, 2004).

Essas mesmas abordagens antropológicas do turismo centraram-se, durante vários anos (e parecem centrar-se ainda na actualidade), nas tipologias quer do turismo enquanto prática, quer do turista enquanto praticante. Passaram assim a surgir designações tais como: o turismo de massas, o étnico, o ambiental, o cultural, o religioso, entre outros, bem como, no que se refere à tipologia dos turistas, o turista de massas, o turista de charter, o de elite, o explorador, o viajante individual.

Todas estas tipologias encerravam em si diferenças distintas, que os teóricos reduziam a uma questão central, isto é, a essência da experiência turística. Segundo alguns autores, tratava-se da procura da autenticidade (MacCannel, 1976); para outros a transição do local de residência para um outro local diferente do habitual (Graburn, 1989); de acordo com outros, uma forma de neocolonialismo (Nash, 1989); e para outros ainda, um tipo particular de “olhar” (Urry, 1996). Nesta perspectiva, a tendência ao nível das abordagens realizadas centrava-se no turista enquanto elemento catalisador da actividade turística.

Assim, tendo em conta estas abordagens tentarei explorar o turismo enquanto processo. Processo, no interior do qual actuam tanto os turistas como os habitantes locais, enquanto elementos activos na produção de significações, daí resultando práticas de interacção e negociações constantes (entre turistas e habitantes locais), num tempo e num espaço determinado, o lugar turístico.

Sob esta perspectiva, as práticas turísticas poderão ser abordadas enquanto performances, processos interactivos dependentes dos actores participantes, em que uns interpretam o que os outros representam, inseridos num determinado contexto, o denominado espaço turístico. Este conjunto de performances engloba não apenas as verbais, como igualmente as atitudes corporais, os gestos, factos a que Edensor (1998: 104) refere como sendo as “embodied tourist performances”.

Tais performances estão na origem das formas pelas quais os turistas verbalizam e materializam visualmente o sentido, a autenticidade e constroem uma realidade. O conceito de autenticidade, cuja primeira abordagem surge com a obra de Dean MacCannell (1976), motivava a deslocação de um turista tendo em vista o desejo de experimentar, de viver “interacções autênticas” com outros, ao longo da qual poderia aceder a um modo de vida quotidiano e a um ambiente diferentes.

Tratava-se de uma motivação por parte dos turistas que em certa medida os levava a reclamar um tipo de autenticidade, o qual era definido através de uma interpretação precisa do conceito, isto é, verdadeiro, genuíno. No desejo de comprar objectos “autênticos”, estes deveriam ser exclusivamente adquiridos em vendedores “autênticos”.

Ainda de acordo com MacCannell, o turista procuraria assim o acesso à vida “autêntica” dos habitantes locais. Contudo, nunca conseguia atingir esse objectivo, dado que, tal facto, aconteceria sempre longe do olhar dos visitantes. Desta forma, o turista teria só acesso a uma experiência desprovida de autenticidade, apenas sendo-lhe garantido o acesso ao autêntico com objectivos turísticos e comerciais, uma “autenticidade encenada” (MacCannell, 1976).

O conceito de autenticidade apelaria assim a uma representação mental dos turistas sobre os habitantes locais, os “nativos”. Trata-se em si mesmo de uma denominação simbólica segundo a qual, só são autênticos quando são tal como os turistas os imaginam, isto é, quando a imagem mental transportada para o local turístico atinge um alto grau de motivação após o confronto com o real.

Assim, “autenticidade” e “falsidade” surgiam praticamente investidos de um carácter binário, num sistema de categorização no qual, se não é autêntico, é falso (não havendo lugar para um “menos autêntico” ou “quase autêntico”).

É desta forma que o turismo “coisifica”, converte-se em imagens fixas, em objectos de museus, num processo semelhante às representações simbólicas, isto é, ao fixar e delimitar significações possíveis de signos. O turismo surge pois, de acordo com Dean MacCannell como algo que “fossiliza” os habitantes locais e respectivas práticas, os seus espaços, fazendo com que não haja lugar a qualquer tipo de prática reflexiva por parte do turista.


© Fernando Faria Paulino


© Fernando Faria Paulino

Bibliografia
CARDEIRA DA SILVA, Maria (coord.) (2004), Outros Trópicos. Novos destinos turísticos. Novos terrenos da antropologia, Lisboa, Livros Horizonte.
EDENSOR, Tim (1998), Tourists at the Taj: performance and meaning at a symbolic site, London, Routledge.
MACCANNELL, Dean (1976), The Tourist: A New Theory of the Leisure Class, New York, Shocken Books.
SMITH, Valene L. (1992), Anfitriones e Invitados. Antropología del Turismo, Madrid, Endymion.
URRY, John (1996), O Olhar do Turista, lazer e viagens nas sociedades contemporâneas, S. Paulo, Livros Studio Nobel.

1 comment:

Anonymous said...

maravilhoso!! entre em contato cmg: aline.antropologa@gmail.com