Tuesday, July 31, 2007

Imagens, turismo e autenticidade (parte 3 de 3)

O conceito de autenticidade é igualmente fundamental no processo de recepção de uma imagem sendo através dele que as imagens adquirem o seu valor. Walter Benjamin (1989) remete-nos para o facto de que o original de uma reprodução é compreendido enquanto sendo mais autêntico do que as cópias realizadas a partir desse original. De acordo com Benjamin a autenticidade não pode pois ser reproduzida. Tradicionalmente, o conceito de autenticidade significava genuíno, fiável, verdadeiro ou não copiado, ou num sentido ainda mais lato, surgia associado à ideia de “real” (Sturken e Cartwright, 2001: 123).

O mundo em que hoje habitamos é um mundo repleto de imagens visuais. O papel por elas desempenhado está no centro dos processos das nossas representações, da nossa produção de significados e das formas como comunicamos. Muitos dos significados, produzidos e consumidos quotidianamente, de entre os quais se destaca a autenticidade, são veiculados visualmente. Para Mirzoeff, “a cultura visual não depende das imagens em si mesmas, (...) o centro de interesse é colocado no visual enquanto lugar onde os significados são criados e contestados” (1999: 5-6). Assim, a cultura visual caracteriza-se pela centralidade dos elementos visuais nos processos de comunicação e compreensão daquilo que nos rodeia.

Os mecanismos de produção, difusão e recepção de significados, são na actualidade fundamentais para a compreensão dos significados socialmente produzidos, nomeadamente ao nível dos processos económicos, políticos, sociais e culturais. No mundo contemporâneo os sistemas visuais são os elementos mediadores desses mesmos significados (Mirzoeff, 1999; Messaris, 2001).


O papel da publicidade na autenticidade dos locais turísticos

O papel desempenhado pelas imagens na publicidade turística (sob a forma de catálogos, folhetos, cartazes, spots televisivos,...) é fundamental no turismo enquanto processo de mercantilização da cultura (Greenwood in Smith, 257-279). Assim, as imagens terão de exaltar uma pluralidade de significados, envoltas em instantaneidade, fundindo tempo e espaço, bem como elementos de diferentes períodos históricos. Terão pois de ser altamente simbólicas, sendo os destinos representados enquanto lugares românticos, carregados de beleza, paixão, nostalgia, recorrendo inúmeras vezes ao passado, à história e à memória, contribuindo para a expectativa e o desejo de viajar por parte do turista. Assim, a grande maioria de catálogos turísticos apresenta nas suas páginas fusões de elementos icónicos, cuja omnipresença remete o leitor para um “encolhimento” do espaço físico e uma “compressão” do tempo. Desta forma, o mundo pode ser semioticamente apropriado e consumido sem que abandonemos o conforto das nossas casas.

A primeira imagem de um lugar turístico é assim composta por representações construídas com base em muitas outras imagens, sendo essa imagem, mais tarde, sujeita a um processo de (re)interpretação, a partir do momento em que se dá o confronto com o espaço real. O espaço turístico é assim recriado, dando origem a novas imagens. Todo esse conjunto de representações está na origem de imagens extremamente complexas, densas numa perspectiva semiótica. Todos estes processos são de tal modo importantes no mundo do turismo, que intervêm directamente na construção do lugar turístico.

Contudo, as campanhas publicitárias turísticas (de carácter informativo) não se destinam apenas ao potencial turista / visitante. A sua construção carregada de valores e significados, mostra às populações de acolhimento qual o seu património cultural, qual o seu passado, quais as suas memórias, determinantes para uma espécie de exaltação patriótica (e valores associados) e respectiva (re)apropriação do património. De igual modo, a glorificação das paisagens dá origem a uma reinvenção da natureza, transformando-as em património cultural.

A actividade turística abre assim as portas à imaginação, tendo um papel activo, por vezes determinante, nas formas de ver e sentir o mundo. As campanhas publicitárias da indústria turística, na sua produção de sentido, exploram pois simultaneamente “realidade”, “mitos” e “imaginação”, cujo público alvo não é somente o potencial turista, como também o habitante local, que terá um papel fundamental quando desempenhar a sua função de anfitrião.

Desta forma, as imagens publicitárias de âmbito turístico reclamam autenticidade enquanto estratégia de apelo ao consumo, trabalhando simultaneamente tradição e modernidade, passado e presente, algo a que apenas é possível ter acesso pela vivência e experiência turística no próprio espaço, num tempo definido, sendo pois impossível a sua reprodutibilidade.

Este foi o convite que terá sido efectuado através da campanha publicitária “Portugal, profundamente”, produzida pelo ICEP, cujos spots televisivos foram premiados no Tourfilm 2005 (o maior e mais antigo festival de filmes turísticos, que tem lugar anualmente na República Checa). A campanha optou por um modelo comunicativo de publicidade que funde passado e presente, tradição e modernidade, natureza e cultura, tempo e espaço, produtor e receptor. No spot publicitário “Romance eterno”, um dos produzidos para a referida campanha, esta fusão é construída em torno da noção de romance cuja mensagem linguística, simples na sua forma, trabalha de uma forma precisa a maioria dos conceitos analisados até ao momento.







Romance eterno

Apaixone-se por Portugal,
Pelos amores de outras eras
E pelos lugares misteriosos.
Por um canto de saudade,
Por um poema,
Por um rio.
Entre nos palácios de contos de fadas
Passeie nas florestas encantadas
Descubra os recantos idílicos.
Abra o coração das cidades
Viva momentos inesquecíveis
Num país incorrigivelmente romântico.
Entregue-se a uma nova paixão.
Venha conhecer Portugal... profundamente.




Contudo, a “força” do spot residia na sua totalidade significante, para a qual contribuíam as imagens, a mensagem verbal e a banda sonora, daí resultando uma “complexidade de linguagens parciais fundidas” (Canevacci, 2001: 155). Ao longo do seu visionamento, surgia a “dúvida”. Os planos abertos, de curta duração, a utilização de ângulos picados e de travellings, não permitiam uma rápida localização espacial. Essa localização era por vezes conseguida, por breves instantes, através do reconhecimento de um ou outro elemento icónico que permitia situar geograficamente o leitor.

Mas o aspecto interessante da campanha, foi o facto das diferentes versões linguísticas (francês, inglês, castelhano, alemão...), supostamente destinadas ao mercado externo, terem sido igualmente emitidas em Portugal, com igual tempo de antena. Na maioria dos casos, devido ao não domínio do respectivo código linguístico por parte do receptor, redobravam-se as “dúvidas”, que após a sua dissipação, tornavam o país mais “autêntico”, “único”.

A autenticidade de um país era assim socialmente construída, trabalhando-se denotativa e conotativamente o olhar do espectador, apelando-se aos diversos códigos de leitura / recepção. A “dúvida” surgia como uma das questões centrais na construção da autenticidade. Contudo, essa construção ultrapassou a esfera individual. O conceito em si foi construído colectivamente, resultado de uma negociação, cujo papel desempenhado pela fusão de linguagens e conceitos explorados foi determinante.

Conhecer o país “profundo” significa, de acordo com o discurso turístico, mergulhar na sua história, nas raízes e nas memórias de um povo, permitir a construção de um olhar, não superficial mas profundo, possibilitar o acesso ao “único”, ao “autêntico”, desempenhando na actualidade um papel preponderante na imagem de um espaço potencialmente turístico.




Bibliografia
BALANDIER, Georges (1987), Antropologia Política, Lisboa, Editorial Presença.
BENJAMIN, Walter (1989), «La obra de arte en la época de su reproductibilidad técnica» in Discursos Interrumpidos I, Buenos Aires, Taurus.
BURNS, Peter (2002), An introduction to Tourism & Anthropology, London, Routledge.
BRUNER, Edward (1991), «Transformation of self in tourism», Annals of Tourism Research, 18 (2), pp. 238-250.
CANEVACCI, Massimo (2001), Antropologia della comunicazione visuale, Roma: Meltemi.
CARDEIRA DA SILVA, Maria (coord.) (2004), Outros Trópicos. Novos destinos turísticos. Novos terrenos da antropologia, Lisboa, Livros Horizonte.
CHAMBERS, Erve (2000), Native Tours, The anthropology of travel and tourism, Illinois, Waveland Press.
CLIFFORD, James (1999), Itinerarios Transculturales, Barcelona, Editorial Gedisa.
COHEN, Erik (1988), «Authenticity and commoditisation in tourism», Annals of Tourism Research, 15 (3), pp. 371-386.
CROUCH, David e LÜBBREN, Nina (ed.) (2003), Visual Culture and Tourism, Oxford, Berg.
EDENSOR, Tim (1998), Tourists at the Taj: performance and meaning at a symbolic site, London, Routledge.
GEERTZ, Clifford (1996), Tras los hechos. Dos países, cuatro décadas y un antropólogo, Barcelona, Paidós.
JENKS, Chris (ed.) (1995), Visual Culture, London, Routledge.
KILANI, Mondher (1994), L’invention de l’autre, essais sur le discours anthropologique, Lausanne, Editions Payot.
MACCANNELL, Dean (1976), The Tourist: A New Theory of the Leisure Class, New York, Shocken Books.
MESSARIS, Paul (2001), «Visual Culture», in James Lull (Ed.) Culture in the communication age, London and New York, Routledge.
MIRZOEFF, Nicholas (1999), An Introduction to Visual Culture, London: Routledge.
OSBORNE, Peter (2000), Travelling Light – Photography, travel and visual culture, Manchester, Manchester University Press.
PAULINO, Fernando Faria (2001), Transumância da Estrela ao Montemuro. Da tradição à modernidade: a longa viagem da cultura pastoril, dissertação de mestrado, Porto, Univ. Aberta.
ROJEK, Chris e URRY, John (ed.) (1997), Touring Cultures, Transformations of travel and theory, London, Routledge.
SMITH, Valene L. (1992), Anfitriones e Invitados. Antropología del Turismo, Madrid, Endymion.
SANTANA TALAVERA, Agustin (2003), «Patrimonios culturales y turistas: unos leen lo que otros miran», Pasos Revista de Turismo y Patrimonio Cultural, vol. 1, nº1, pp. 1-12.
STURKEN, Marita e CARTWRIGHT, Lisa (2001), Practices of looking. An introduction to visual culture, Oxford, Oxford University Press.
URRY, John (1996), O Olhar do Turista, lazer e viagens nas sociedades contemporâneas, S. Paulo, Livros Studio Nobel.
URRY, John (1997), «Tourism and the Photographic Eye» in Touring Cultures, Transformations of travel and theory, London, Routledge.

Monday, July 23, 2007

Imagens, turismo e autenticidade (parte 2 de 3)

É dentro do contexto abordado (Imagens, turismo e autenticidade – parte 1), que surge na actualidade o termo viajante, ao qual me atreveria a designar de turista reflexivo. Contudo, esta divisão entre turista / nativo e viajante / nativo, representa na sua essência a divisão tradicional entre baixa e alta cultura, aproximando-se perigosamente do modelo de literatura de viagens do séc. XIX, que estabelecia as diferenças entre o “viajante ilustrado” e o “nativo selvagem”. De igual modo, a introdução do termo viajante contrapõe-se ao termo turista, acentuando a dialéctica, ficando este último associado a todo um conjunto de conotações profundamente negativas, destacando-se entre muitos outros aspectos, na sua própria forma de vestir.

Importa ainda referir, de acordo com James Clifford, que o nascimento do termo “nativo” no seio da antropologia tradicional, sustentado ideologicamente como o “Outro”, surge construído enquanto sujeito não ocidental, representante das “verdadeiras culturas tradicionais locais” ao qual era dada a palavra apenas através da mediação do antropólogo (Clifford, 1999). O turista encerra em si mesmo essa procura do verdadeiro, do tradicional, do local, em suma, a procura constante do “autêntico”.

O conceito de autenticidade, cuja primeira abordagem surgiu, tal como já referido, com a obra de Dean MacCannell (1976), tem vindo a ser o centro de inúmeras fundamentações teóricas, situando-se actualmente numa perspectiva mais émica, que considera a autenticidade com algo de emergente, de produzido e de negociado.
A imagem do habitante local (prefiro definitivamente este termo ao de nativo) é acima de tudo o produto de um processo relacional, através do qual é construída uma representação de sentido comum. Essa representação deve satisfazer os desejos dos turistas, bem como os interesses da própria população local em constituir-se enquanto um atractivo turístico interessante. Trata-se, no fundo, de um problema ligado a questões de interacção e não tanto de um problema de autenticidade ou de falta dela.

É nesta perspectiva, contrária à defendida por MacCannell, que a autenticidade é um conceito socialmente construído, tendo como base a negociação. Assim, é exactamente sobre este processo de negociação que os estudos antropológicos do turismo deveriam incidir (Cohen, 1988). Não nos interessa saber se a experiência do turista é autêntica, tal como o fazia MacCannell, mas sim saber quando é que ela se torna num jogo, trabalhando denotativa e conotativamente o olhar do turista. Edward Bruner, ao considerar que o autêntico se torna num facto apenas quando a “dúvida” surge (1994: 403), refere-se ao facto da autenticidade ultrapassar um conceito teórico puramente abstracto, algo apenas existente na maioria das mentes dos turistas e “nativos” (Bruner 1991: 241). De acordo com Bruner, a autenticidade deve ser considerada como um produto emergente das relações entre actores sociais inseridos em contextos bem definidos. Trata-se, ainda segundo Bruner, de uma “luta”, na qual os sujeitos lutam por definir a realidade de algo e onde inúmeros processos sociais estão presentes e em jogo. A autenticidade assume-se assim como um conceito igualmente fundamental para reflectir sobre a tensão global-local.

Autenticidade como sintoma de modernidade
Os destinos turísticos, bem como todos aqueles que o pretendem tornar-se, utilizam todas as estratégias ao seu dispor tendo como objectivo principal a atracção de visitantes. Desta forma, grande parte dos recursos disponíveis de um lugar são sujeitos a uma cuidadosa preparação, prontos a converterem-se em objectos de consumo.

Contudo, à excepção daqueles explicitamente preparados para o turista, nem todos os recursos de um lugar têm a capacidade de ser apresentados, contemplados e entendidos na sua totalidade por vezes complexa. De acordo com Santana Talavera, a maioria encontra-se exclusivamente adaptada ao olhar e não à leitura (2003: 1).

O fenómeno turístico é uma actividade dinâmica, em constantes modificações, baseado essencialmente num sistema económico de oferta / procura. Daí, o nascimento de novas formas de turismo cada vez mais sofisticadas – o turismo em espaço rural, as viagens de aventura, a paixão pela natureza ou pelo exótico de outras culturas. O turismo foi-se adaptando às novas exigências de procura do mercado, tornando-se os locais e as actividades, que aí decorrem, em meros produtos para consumo.

O turista tornou-se assim num cliente ávido de consumo, de conhecimento – ainda que não científico – , mas de um conhecimento objectivo baseado num olhar turístico que a viagem lhe proporciona. Daí advém o seu interesse pela natureza e pela cultura que, de uma forma intuitiva, considera estarem na fronteira de um desaparecimento eminente. Interessa-se assim pelos habitantes locais, pelas suas identidades, pela sua cultura material, pelas suas raízes históricas, pelo seu passado, modos de vida e rituais em que participam, tendo sempre presente um profundo sentimento de nostalgia, que despertam recordações, espaços e tempos mais imaginados que vividos (Santana Talavera, 2003: 6).

Esta procura da autenticidade, imaginada e construída, tratou-se de um processo que teve a sua origem em ambiente urbano. Essa nostalgia pelo passado, pela memória, era essencialmente protagonizada pelo turista (proveniente dos centros urbanos) que procurava noutros lugares o tradicional – em evidente “extinção” – dando origem a uma procura constante de signos (icónicos, indiciais ou simbólicos) que teriam de cumprir uma função, a de autenticidade dos lugares visitados (regra geral em ambiente rural ou, se preferirmos, com uma forte relação com a natureza).

Dos discursos existentes acerca das populações rurais, um deles, o de Mondher Kilani, tem um papel relevante na construção da imagem do espaço e respectiva população residente. O habitante da montanha é representado enquanto “depositário do território e guarda da «autenticidade» num mundo em contínua agitação” (Kilani, 1994: 137). Esta imagem estabelece a relação entre tradição e modernidade, entre passado e presente. Uma relação que, ainda segundo Kilani, “constitui o eixo privilegiado a partir do qual se representa a realidade económica, social e cultural da montanha actual” (1994: 137).

À actividade turística interessa esta dialéctica. Uma dialéctica tradição / modernidade, passado / presente, natureza / cultura, que legitima ideologicamente as diferenças nos modos de vida, nos processos sociais, nas representações. Contudo, tradição e modernidade, ou passado e presente, não podem ser encarados enquanto conceitos estáticos, uns existem por força da existência dos outros. A tradição demarca-se em relação ao moderno, tal como o moderno se demarca em relação àquilo que surge como tradicional, numa dinâmica permanente. Nesta relação, torna-se aliás interessante verificar na actualidade, o constante retorno ao tradicional enquanto manifestação da própria modernidade (Paulino, 2001: 151). A característica estática que habitualmente se encontra ligada à tradição, deixa assim de fazer sentido. De igual modo, a antropologia política atribui ao tradicionalismo todo um conjunto de características dinâmicas implicando tal facto que as sociedades tradicionais não fiquem condenadas a permanecer para sempre presas ao seu passado (Balandier, 1987: 174).

Também a modernidade, segundo Clifford Geertz, acaba por assumir-se enquanto “processo, uma sequência de acontecimentos que transformam uma forma de vida tradicional, estável”, numa outra com uma capacidade de adaptação, com uma dinâmica própria (Geertz, 1996: 137). As formas de vida que se estabelecem em ambiente rural são meras etapas de uma “longa trajectória histórica com uma dinâmica intrínseca, uma determinada forma e direcção” (1996: 138).

James Clifford, ao explorar o conceito de autêntico, dá conta do facto de na maioria das vezes a autenticidade ser “uma questão de tudo ou nada” (1999: 221), sugerindo a necessidade de colocar de lado toda uma análise baseada numa oposição binária, optando assim pela designação de uma autenticidade híbrida (1999: 221-232).

Assim, a autenticidade terá de ser encarada enquanto um processo permanente de construção e reconstrução do lugar, do passado, da cultura, cujo papel activo é igualmente desempenhado pelos habitantes locais. O turismo surge assim como um processo de mudanças (não necessariamente negativas), que obriga a (re)ler o passado e o presente, a (re)adaptar significados. Estes processos são em si mesmos elementos culturais dinâmicos, cujos protagonistas não poderão nunca ser considerados sujeitos passivos do sistema cultural do qual fazem parte. As suas experiências, as suas maiores ou menores adaptações, as suas (re)construções, a sua imaginação transformam-nos em elementos de inovação e mudança, na maioria das vezes fruto da influência externa provocada pelo próprio turismo. De entre estas influências, há um papel particularmente interessante de ser analisado. O papel desempenhado pelas imagens presentes na publicidade da indústria turística.



© Fernando Faria Paulino


© Fernando Faria Paulino


Bibliografia
BALANDIER, Georges (1987), Antropologia Política, Lisboa, Editorial Presença.
BRUNER, Edward (1991), «Transformation of self in tourism», Annals of Tourism Research, 18 (2), pp. 238-250.
CLIFFORD, James (1999), Itinerarios Transculturales, Barcelona, Editorial Gedisa.
GEERTZ, Clifford (1996), Tras los hechos. Dos países, cuatro décadas y un antropólogo, Barcelona, Paidós.
KILANI, Mondher (1994), L’invention de l’autre, essais sur le discours anthropologique, Lausanne, Editions Payot.
MACCANNELL, Dean (1976), The Tourist: A New Theory of the Leisure Class, New York, Shocken Books.
PAULINO, Fernando Faria (2001), Transumância da Estrela ao Montemuro. Da tradição à modernidade: a longa viagem da cultura pastoril, dissertação de mestrado, Porto, Univ. Aberta.
SANTANA TALAVERA, Agustin (2003), «Patrimonios culturales y turistas: unos leen lo que otros miran», Pasos Revista de Turismo y Patrimonio Cultural, vol. 1, nº1, pp. 1-12.

Wednesday, July 18, 2007

Imagens, turismo e autenticidade (parte 1 de 3)

Os estudos antropológicos sobre o turismo nascem sobretudo do interesse pelo contacto entre turista e “nativo” e respectivas mudanças culturais fruto desse mesmo contacto (Smith, 1992). Tal interesse explica que, em certa medida, a maior parte dos trabalhos sobre o fenómeno turístico, incida sobre as repercussões culturais nos países visitados, facto a que a literatura antropológica tem denominado como sendo a análise dos impactos do turismo sobre as populações locais (Smith, 1999; Cardeira da Silva, 2004).

Essas mesmas abordagens antropológicas do turismo centraram-se, durante vários anos (e parecem centrar-se ainda na actualidade), nas tipologias quer do turismo enquanto prática, quer do turista enquanto praticante. Passaram assim a surgir designações tais como: o turismo de massas, o étnico, o ambiental, o cultural, o religioso, entre outros, bem como, no que se refere à tipologia dos turistas, o turista de massas, o turista de charter, o de elite, o explorador, o viajante individual.

Todas estas tipologias encerravam em si diferenças distintas, que os teóricos reduziam a uma questão central, isto é, a essência da experiência turística. Segundo alguns autores, tratava-se da procura da autenticidade (MacCannel, 1976); para outros a transição do local de residência para um outro local diferente do habitual (Graburn, 1989); de acordo com outros, uma forma de neocolonialismo (Nash, 1989); e para outros ainda, um tipo particular de “olhar” (Urry, 1996). Nesta perspectiva, a tendência ao nível das abordagens realizadas centrava-se no turista enquanto elemento catalisador da actividade turística.

Assim, tendo em conta estas abordagens tentarei explorar o turismo enquanto processo. Processo, no interior do qual actuam tanto os turistas como os habitantes locais, enquanto elementos activos na produção de significações, daí resultando práticas de interacção e negociações constantes (entre turistas e habitantes locais), num tempo e num espaço determinado, o lugar turístico.

Sob esta perspectiva, as práticas turísticas poderão ser abordadas enquanto performances, processos interactivos dependentes dos actores participantes, em que uns interpretam o que os outros representam, inseridos num determinado contexto, o denominado espaço turístico. Este conjunto de performances engloba não apenas as verbais, como igualmente as atitudes corporais, os gestos, factos a que Edensor (1998: 104) refere como sendo as “embodied tourist performances”.

Tais performances estão na origem das formas pelas quais os turistas verbalizam e materializam visualmente o sentido, a autenticidade e constroem uma realidade. O conceito de autenticidade, cuja primeira abordagem surge com a obra de Dean MacCannell (1976), motivava a deslocação de um turista tendo em vista o desejo de experimentar, de viver “interacções autênticas” com outros, ao longo da qual poderia aceder a um modo de vida quotidiano e a um ambiente diferentes.

Tratava-se de uma motivação por parte dos turistas que em certa medida os levava a reclamar um tipo de autenticidade, o qual era definido através de uma interpretação precisa do conceito, isto é, verdadeiro, genuíno. No desejo de comprar objectos “autênticos”, estes deveriam ser exclusivamente adquiridos em vendedores “autênticos”.

Ainda de acordo com MacCannell, o turista procuraria assim o acesso à vida “autêntica” dos habitantes locais. Contudo, nunca conseguia atingir esse objectivo, dado que, tal facto, aconteceria sempre longe do olhar dos visitantes. Desta forma, o turista teria só acesso a uma experiência desprovida de autenticidade, apenas sendo-lhe garantido o acesso ao autêntico com objectivos turísticos e comerciais, uma “autenticidade encenada” (MacCannell, 1976).

O conceito de autenticidade apelaria assim a uma representação mental dos turistas sobre os habitantes locais, os “nativos”. Trata-se em si mesmo de uma denominação simbólica segundo a qual, só são autênticos quando são tal como os turistas os imaginam, isto é, quando a imagem mental transportada para o local turístico atinge um alto grau de motivação após o confronto com o real.

Assim, “autenticidade” e “falsidade” surgiam praticamente investidos de um carácter binário, num sistema de categorização no qual, se não é autêntico, é falso (não havendo lugar para um “menos autêntico” ou “quase autêntico”).

É desta forma que o turismo “coisifica”, converte-se em imagens fixas, em objectos de museus, num processo semelhante às representações simbólicas, isto é, ao fixar e delimitar significações possíveis de signos. O turismo surge pois, de acordo com Dean MacCannell como algo que “fossiliza” os habitantes locais e respectivas práticas, os seus espaços, fazendo com que não haja lugar a qualquer tipo de prática reflexiva por parte do turista.


© Fernando Faria Paulino


© Fernando Faria Paulino

Bibliografia
CARDEIRA DA SILVA, Maria (coord.) (2004), Outros Trópicos. Novos destinos turísticos. Novos terrenos da antropologia, Lisboa, Livros Horizonte.
EDENSOR, Tim (1998), Tourists at the Taj: performance and meaning at a symbolic site, London, Routledge.
MACCANNELL, Dean (1976), The Tourist: A New Theory of the Leisure Class, New York, Shocken Books.
SMITH, Valene L. (1992), Anfitriones e Invitados. Antropología del Turismo, Madrid, Endymion.
URRY, John (1996), O Olhar do Turista, lazer e viagens nas sociedades contemporâneas, S. Paulo, Livros Studio Nobel.